Minha trajetória como estudante de gastronomia

O tempero do mundo

O termo especiaria, a partir dos séculos XIV e XV na Europa, designou diversos produtos de origem vegetal (flor, fruto, semente, casca, caule, raiz), de aroma e/ou sabor acentuados. Isso se deve à presença de óleos essenciais.
Além de utilizadas na culinária, com fins de tempero e de conservação de alimentos, as especiarias eram utilizadas ainda na preparação de óleos, ungüentos, cosméticos, incensos e medicamentos. 
Talvez nenhum outro componente culinário tenha possuído um papel tão determinante na História mundial como as especiarias. Por elas travaram-se guerras, floresceram e feneceram nações, abriram-se rotas comerciais, mudaram-se os hábitos gastronômicos

Foram os antigos latinos que primeiro atribuíam a algumas drogas e substâncias aromáticas uma designação próxima do termo especiaria. Chamavam-lhes as Species, ei. Os franceses alargaram o âmbito do termo e aplicaram-no a produtos alimentares estimulantes do apetite e drogas medicinais de origem exótica.

Independentemente do sentido do termo, desde tempos imemoriais as especiarias foram utilizadas pelos povos do Oriente, transportadas por mar; em rotas que atravessavam os oceanos Indico e Pacífico. Chegavam a Imperadores e ao homem do povo, quer como tempero de alimentos, quer ligadas a rituais religiosos, ou mesmo como remédio indicado para as mais diversas maleitas.
Durante um longo período da história da humanidade, as especiarias chegavam as margens do mediterrâneo em pequenas quantidades, vendidas de imediato a preços elevadíssimos. O fato só aumentava o fascínio que estas exerciam sobre as civilizações que floresciam na região. Eram produtos tidos no âmbito do quase mágico. Vindos de terras distantes, também elas encobertas num véu de mistério e alguma sedução.
Contudo, razões bem reais tornavam proibitiva a incursão de grandes quantidades de especiarias na Europa. Os comerciantes sentiam grandes dificuldades em as fazer atravessar os mares e os continentes desde as terras do Oriente, algumas bem longínquas, até à Europa. Isto agravado por impostos e taxas aplicados nos territórios e portos por onde passavam.

O tesouro da rainha de Sabá
Não obstante todos os entraves recua a tempos remotos a utilização das especiarias nas margens do Mediterrâneo. A Bíblia traz-nos algumas referências interessantes. José, filho de Jacob, terá sido vendido, em 1729 a C., pelos seus irmãos, a uma caravana que passava e comercializava especiarias e perfumes. A rainha de Sabá, quando veio a Jerusalém, para se encontrar com o rei Salomão, cerca de 999 a.C., fez-se acompanhar de camelos, especiarias e pedras preciosas como sinal de fausto.
Mais fundamentada pelos relatos históricos é a utilização das especiarias nas práticas de embalsamamento dos antigos egípcios.
Ainda sem o intuito de tempero dos alimentos, os médicos gregos, do século V a..C., referiam-se a diversas especiarias orientais. Tudo isto sem conhecimento de quais as plantas de onde estas provinham, a forma como se obtinham e as possíveis utilizações.
Seria um mercador e aventureiro veneziano que, séculos mais tarde, traria ao conhecimento europeu uma nova visão sobre as especiarias orientais. Quando em 1271 os escritos de Marco Polo se tornam públicos, trazem informações complementares sobre as plantas produtoras das especiarias orientais.

O ouro aromático
Com o tempo as especiarias começaram a utilizar-se como tempero e como conservante das carnes.
Mesmo quando recheados de abundante carne, os guisados, ou cozidos ficavam sempre incompletos se não houvesse ali um toque de especiaria.
O gengibre, por exemplo, originário da Índia, era o ideal para temperar a carne e o peixe e ainda para dar gosto às saladas. Um livro de cozinha do século XVI refere mesmo o gengibre como o ingrediente habitual em receitas de carnes e peixes e também nas almôndegas, nos pastéis e em doces. A partir de certa altura, as naus começaram inclusive a abastecer-se de biscoitos de gengibre, cujo paladar agradava aos homens do mar. Também a canela era utilizada na confecção de biscoitos e na doçaria em geral, havendo ainda quem a utilizasse como condimento nas comidas e na preparação de vinho aromático.

Estando estes produtos apenas ao alcance das bolsas e mesas dos mais ricos, não admira que as especiarias fossem equiparadas, em valor, ao ouro. Assim se compreende que muitos testamentos deixassem como herança avultadas quantidades de especiarias.
Na Europa já se comercializava, na época, a canela, as falsas canelas, o gengibre, a noz moscada, o cravo da Índia, a pimenta e outras.
Aos poucos cresciam em opulência e riqueza algumas das cidades que sustentavam no comércio das especiarias a sua economia. Veneza e Gênova, na Itália, cresciam e distribuíam este bem por toda a Europa.
Contudo, outras nações estavam prestes a eclodir como potências mundiais no comércio das especiarias. Entre elas, um pequeno país jogado nos confins ocidentais da Europa. Portugal iria, nos séculos posteriores, protagonizar uma verdadeira epopéia marítima, assente em parte no comércio das especiarias. O pais correu primeiro pela ambição de alcançar as especiarias e, de seguida, na ânsia das espalhar mundo fora.


História
Embora cada região do planeta possua as próprias especiarias, na Europa, a partir das Cruzadas, desenvolveu-se o consumo das variedades oriundas das regiões tropicais, oferecidas pelo mundo islâmico. Para atender a essa demanda, ampliou-se o comércio entre o Ocidente e o Oriente, através de várias rotas – terrestres e marítimas – que uniam não apenas a Europa internamente (pontilhando-a de feiras), mas esta e a China (rota da Seda) e as Índias (rota das especiarias).

A dinâmica dessas rotas (e do abastecimento) variou ao sabor das guerras e conflitos ao longo dos séculos. A partir da criação do Império Mongol, entre os séculos XIII e XIV, com a instauração da pax mongolica, o comércio entre a Europa e o Oriente conheceu um período de prosperidade. Quando os turcos conquistaram Constantinopla (29 de Maio de 1453), os mercadores cristãos assistiram impotentes ao bloqueio de suas principais rotas comerciais.

Na tentativa de uma solução para contornar o problema, Portugal, seguido pela Espanha, organizaram expedições para a exploração de rotas alternativas (um caminho marítimo) para o Oriente. O projeto português previa um ciclo oriental, contornando a África (o périplo africano), enquanto que o projeto espanhol apostou no ciclo ocidental, que supostamente culminou no descobrimento da América. (há inúmeras controvérsias sobre a casualidade desse fato, já que muitos indícios denunciam o conhecimento prévio da existência do continente americano na Europa)

Com o estabelecimento de colônias no continente americano, as nações européias introduziram nelas o plantio das especiarias asiáticas, barateando os custos e tornando-as mais acessíveis para o mercado. Essa divulgação teve como conseqüência levar as próprias colônias a adotar essas especiarias, em detrimento a espécies nativas que apresentavam efeitos similares.

Os portugueses na rota das especiarias
Os portugueses que desde há muito tempo viajavam pelo Mediterrâneo e tinham contacto com os seus povos ribeirinhos, não deixaram de ter conhecimento da fabulosa maneira de enriquecer através das especiarias. Conheciam igualmente as rotas destes produtos, desde o Oriente.
Pareceu então natural enquadrar no empreendimento dos descobrimentos, a procura de novas fontes de especiarias orientais, nomeadamente através da procura de uma passagem marítima para a Índia.
Os reis de Portugal reuniram os melhores cosmógrafos, cartógrafos, arquitetos navais e navegadores da época, lançando-se então na descoberta de uma rota que, contornando África, permitisse chegar à Índia. Na década de 90 do século XV, uma pequena armada, comandada por Vasco da Gama, fidalgo nascido em Sines, largava em direção à Índia.

O regresso de Vasco da Gama a Lisboa, no Verão de 1499, foi motivo de grande festa no reino. Ao verem as caravelas as gentes, mesmo as mais pobres, perceberam que começavam novos tempos. A partir de então, comprar a pimenta e o gengibre do Malabar, a canela do Ceilão, a noz-moscada e o cravinho do vasto arquipélago indonésio, passava a ser mais barato e simples. As refeições passavam a ser ricamente perfumadas com o paladar das especiarias orientais, antes tão inacessíveis. Mas não foi só o povo de Lisboa a festejar o regresso do descobridor do caminho marítimo para a Índia. Também o rei D. Manuel I, que alguém se lembrou de chamar o Rei da Pimenta, recebeu com alegria o sucesso da missão comandada por Vasco da Gama escrevendo aos monarcas espanhóis, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, a anunciar a boa nova.

A pimenta comprada a dois cruzados o quintal em Cochim, no Malabar, era vendida na Europa por 20 ou 30 cruzados, mesmo assim um preço com que nem venezianos nem árabes podiam concorrer. Veneza enviou mesmo espiões a Lisboa, ao mesmo tempo que os seus agentes espicaçavam o sultão do Egito a ameaçar destruir o Santo Sepulcro em Jerusalém e converter à força ao Islã os cristãos nos seus domínios, se o Papa não proibisse D. Manuel de enviar naus à Índia. A despeito de todos esses esforços o monarca português continuou o lucrativo comércio das especiarias. Depois de passarem por Lisboa, seguiam para o Norte da Europa, para as feitorias da Flandres, como Burges e Antuérpia.
Curioso é o fato de, em troca das especiarias, os portugueses terem doado ao patrimônio gastronômico indiano o vindallo, famoso condimento que não é mais do que a nossa vinha de alhos. É sobretudo na região de Goa, possessão portuguesa de 1511 a 1961, que a carne de porco é assim temperada antes de, inevitavelmente, lhe ser adicionada uma multiplicidade de especiarias, bem ao gosto das gentes da costa do Malabar, aquela onde Vasco da Gama aportou.



Principais especiarias:
Pimenta-do-Reino
Noz-Moscada
Cravo-da-India
Macis (de Noz-Moscada)
Anis estrelado
Gengibre
Coentro


Outras:
Pimenta Malagueta
Mostarda
Açafrão
Pimenta da Jamaica


Fontes:
www.gastronomias.com
http://pt.wikipedia.org/wiki/Especiaria